domingo, 12 de dezembro de 2010

Voltaire - Razão e liberdade


François-Mariet Arouet (Voltaire)
O século XVII constituiu-se em um período de grandes modificações na mentalidade da humanidade, e tais mutações refletem até os nossos dias. De ideias puramente míticas e imbuídas do medo em relação aos castigos de Deus, pensamento típico da Idade Medieval, passou-se a ter como centro dos ideários humanos a razão. Além dessa característica, temos que levar em consideração a busca pelo livre pensamento, o qual era defendido pelos pensadores iluministas. Para que ocorresse este último, era necessário que houvesse primeiramente busca pela razão. Era ela quem iria oferecer o suporte para que o homem pensasse livremente, sem a interferência do misticismo. Talvez os modernos não tivessem a consciência de que, a partir dessas ideias, eles estivessem a realizar uma verdadeira revolução de ideias, visto que a sua intenção era a de opor-se ao medieval ou antigo, alegando uma superioridade dos modernos frente aos seus antecessores. Segundo Baumer, em sua obra “O pensamento Europeu Moderno” (Vol.1), Pp. 44:
“Também o próprio pensamento, não obstante o modo como foi compreendido na época, começou de facto a tomar forma sob um aspecto “moderno”, distinto, digamos, do “medieval” ou do “antigo”.”.
Inferimos, portanto, que o objetivo dos modernos era ir de encontro aos ideários dos seus antecessores, ou seja, dos medievais e antigos. Tais termos, por sinal, foram atribuídos pelos próprios modernos, caracterizando um detrimento em relação a esses últimos. Sendo assim, os mesmos consideravam-se como meros opositores aos seus antecessores, e não como sendo os idealizadores de uma renovação do pensamento humano.
Em um contexto não inicial do movimento iluminista, mas sim um pouco mais tardio, temos que evidenciar a figura de um dos principais filósofos desse tão importante movimento: Voltaire. O seu verdadeiro nome era François Marie Arouet, e ele representa uma linha de pensamento que se distinguia dos primeiros filósofos iluministas. Tendo nascido em 1694, Voltaire acompanhou todo o processo de modificações que estavam ocorrendo na Europa em uma data posterior ou seu início. O seu pensamento não estava somente permeado das ideias dos primeiros iluministas, visto que haviam ocorrido modificações no contexto que estava instalado na Europa.
  Evidenciando essa afirmação a respeito do momento histórico no qual emergiram os ideários de Voltaire, faremos referência à sua opinião a respeito dos holandeses: os holandeses representaram um grande diferencial nesse período ao abrigarem vários intelectuais no país. O século XVII foi de grandes mudanças na Holanda: nas ciências, anatomia, astronomia e na pintura, houve reflexos de uma nova cultura que ali surgia. Voltaire subestimava a potencialidade dos holandeses, visto que em sua época os mesmos já entravam em decadência.
Voltaire era filho de abastada família burguesa, tendo ele estudado com os jesuítas no Colégio Loius-le-Grand em Paris. Levando em consideração a sua origem e formação, Voltaire, a pesar de ser ferrenhamente contrário à Igreja Católica, não era ateu. Na verdade, ele era deísta, defendendo que Deus criou o mundo, mas não possuía interferência nele. Essa sua concepção viria a modificar-se quando da ocorrência de um terremoto que devastou a cidade de Lisboa, em 1755. O seu pensamento a respeito da Igreja Católica revela-se também em sua opinião quanto à Itália. A Itália encontrava-se em decadência quando da emersão do pensamento de Voltaire, desse modo ele conferiu maior valor à França no que diz respeito à questão filosófica. Segundo ele, o problema seria a Itália encontrar-se dominada pelos padres e por isso não possuindo liberdade de pensamento, não sendo possível que houvesse o desenvolvimento da grande filosofia. No aspecto religioso encontramos uma espécie de dualismo nos pensamentos de Voltaire, tal característica pode ser evidenciada na seguinte frase do filósofo francês: “Respeito o meu Deus, mas amo o universo”. A sua formação intelectual inicial ocorrida em uma instituição católica e a irradiação das idéias iluministas que o imbuíram são os fatores que podem explicar esse deísmo ligado à razão. Voltaire também defendeu a burguesia contra a aristocracia feudal e antecipou a Revolução Francesa como sendo uma revolução burguesa. Isso por causa de suas origens burguesas, as quais o levaram a defender esta classe que estava em ascensão em toda a Europa e passava também a estender os seus domínios a outras partes do mundo.
Constituía, de fato, uma nova gama de ideias as apresentadas por Voltaire, o qual defendia, acima de tudo, a liberdade do ser humano. A liberdade por ele defendida esta contida, sobretudo, naquela referente ao pensamento, por esse motivo havia a sua abominação pela religião, pois, segundo ele, esta tolhia os indivíduos do pensamento livre. Essa característica provém das bases que Voltaire imbuiu-se para a formação das suas ideias: os libertins surgiram na França no século XVII e, assim como Pierre Bayle tinham como características principais a mentalidade crítica e racionalista, o ceticismo em relação à religião e a defesa do livre pensamento. Também não podemos negligenciar as influências burguesas que Voltaire sofreu: essa suposta “liberdade” era amplamente defendida pelos burgueses, que almejavam verem um Estado que facilitasse a realização do comércio e a obtenção do lucro. O berço do liberalismo
Voltaire também colaborou na elaboração da Enciclopédia, cuja direção estava com d’Alembert e Diderot. Por esse motivo, ele é considerado como um dos enciclopedistas. A sua aproximação com os enciclopedistas se deu a partir do dicionário filosófico, o qual foi publicado no ano de 1764.
Mas, por que consideramos Voltaire como um pensador moderno? Este termo possui várias concepções e dentre elas se sobressaem as seguintes: o moderno como sendo um conjunto de ideias e atitudes específicas que vem a romper com preceitos típicos do passado. O termo poderá também significar algo que seja recente ou que esteja ocorrendo no presente. Voltaire via a modernidade como uma nova concepção de mundo, contrapondo-se ao medieval e ao moderno, como já fora anteriormente explicitado. 
            Como é característico dos filósofos e das suas escolas, Voltaire se contrapôs aos seus antecessores e até contemporâneos no que diz respeito às suas concepções sobre a filosofia. Ele entendia por filosofia uma mistura entre esta última e a ciência. Pensava ao mesmo tempo em Newton, revelando uma influência da racionalidade, e em Locke, grande defensor do empirismo. Sendo assim, Voltaire uniu essas duas concepções antagônicas a respeito do conhecimento, visto que para o empirismo todo o conhecimento teria que estar ligado è experiência, enquanto para o racionalismo, o conhecimento que provém dos sentidos é algo confuso e que não pode ser facilmente esclarecido. Essa é mais uma evidência da dualidade encontrada nos postulados de Voltaire.
            As idéias de Voltaire foram amplamente seguidas em toda a Europa, sobretudo pelos monarcas esclarecidos, sendo que estes, muitas vezes, pediam conselhos ao filósofo. Por esse motivo há a grande quantidade de cartas que são atribuídas a Voltaire, as quais são frutos dessas comunicações.  
           O campo filosófico iluminista não restringiu os seus efeitos ao período do século XVII, mas estendeu-se até os nossos dias. Quando observamos a idéia de Voltaire em aliar a crença em Deus à racionalidade, lembramos das pessoas que buscam o campo espiritual para responderem a questões meramente materialistas.