sexta-feira, 29 de abril de 2011

Nordeste: as nuances da formação da identidade de um povo - Parte 2


Partindo desse pressuposto da heterogeneidade presente na formação do espaço regional, é possível afirmar, consequentemente, que há “vários nordestes” em relação às mais diversas ideias que são discutidas e apresentadas a seu respeito. Sem sombra de dúvidas, a imagem mais forte do Nordeste em relação às demais regiões brasileiras é aquela que a concebe como sendo uma região problema, detentora de grande concentração de riquezas e desigualdades sociais. Essa visão é reforçada pela grande mídia televisiva, a qual chega a utilizar-se de representações depreciativas do nordestino, o que é notável na questão da linguagem. Mas não foi sempre esse o nordeste difundido para o restante de Brasil: durante o apogeu do açúcar, a nossa região era sinônimo de riqueza, ostentação e poder. Então, o que há de comum nessas diferentes visões? A princípio podemos dizer que não há nada, mas há. Tanto a imagem depreciativa quanto aquela enaltecedora é produzida de acordo com os interesses e ideias daquele que se apropriam desse discurso. O nordeste açucareiro não era sinônimo de riqueza para os escravos, mas sim para os senhores de engenho, detentores do poder. Ele também não se constitui em uma “região-problema” para os seus habitantes, mas sim para as elites do sudeste do Brasil, principalmente, apresentando algumas vezes uma visão preconceituosa.
Se as diferentes visões que já fizeram parte do estereótipo regional são determinantes para a formação da identidade do seu povo, o que dizer então o processo heterogêneo de formação dessa mesma região. Durval Muniz de Albuquerque Júnior, em seu texto “Receitas regionais”, faz uma interessante referência à formação do Rio de Janeiro, a qual também pode ser tomada em relação às demais regiões, particularmente ao Nordeste, que é o foco dessa produção: “é um acontecimento ou uma série de acontecimentos, e que passou por inúmeras leituras ao longo da história”. Tomando esse conceito para o nosso estudo, afirmamos que a complexidade do Nordeste ocorre também devido as nuances sua formação. Nos primeiro momentos dessa formação não se pode ainda falar região Nordeste do Brasil, pois a noção de pertencimento dos seus moradores, ou seja, as suas identidades advinham da metrópole. Essa afirmação se torna lógica quando levamos em consideração que o Brasil não compunha uma nação, sendo assim, se não se pode falar em Brasil, é óbvio que não se pode falar em região Nordeste do Brasil.
Sintetizando essas diferentes ideias sobre o Nordeste, temos que: o que antes se constituía em um espaço formado tão somente pelas relações entre os indígenas veio a modificar-se com a chegada do europeu e com a implantação da economia açucareira. Logo após esse período o nordeste passa por uma perda de status econômico, deixando de ser o eixo que movia o Brasil a partir da descoberta das minas. Nesse processo não se pode negligenciar a crise da economia açucareira, a qual teve a sua contribuição para a configuração dessa situação.
Somando os dois fatores de não haver uma formação da identidade nordestina de forma homogênea e, também, a priori, as delimitações do território do que hoje conhecemos como Nordeste nem sempre foram estas que observamos nos dias de hoje. Isso nos ajuda a compreender essas diferentes visões.
Abrindo um parêntese nessas afirmações, é necessário atentar para algumas exceções nesse processo. Essa situação de ausência de identidade não foi absoluta. Situações esporádicas serviram para revelar os primeiros sinais de um regionalismo no Nordeste a partir da união em torno da defesa de um território. A luta contra os holandeses, por exemplo, ensejou a formação de traços comuns entre a população da região dominada pelos flamengos, a qual se estendia desde Alagoas até o Maranhão.  
Se a luta contra os holandeses apresenta esse aspecto, o que dizer então do movimento de 1817. Este pretendia formar uma nação no espaço que vai do estado do Ceará ao de Alagoas, com uma posterior instituição de um governo no mesmo. 
Bem, após essas considerações iniciais fica o questionamento: quais são os nordestinos que conhecem esse processo? É possível garantir que não são muitos. Se os próprios nordestinos não conhecem a sua história não será fácil modificar essas concepções a seu respeito, as quais foram vistas anteriormente, tampouco fazer com que eles se identifiquem com sua região. A construção desse sentido de identidade regional somente acontece a partir de um movimento da própria população e sua efetiva vivência e intervenção em determinado lugar. É o próprio homem quem deve conferir um significado ao lugar aonde vive, pois do contrário, estará sempre propenso a ser vítima de estereótipos que podem até depreciá-lo. Além disso, temos que partir do pressuposto que esse lugar, qual seja o espaço regional, já existe, mas vai modificar-se e adquirir novos sentidos através da interferência do homem. Sendo assim, é necessário que ocorra a formação de um modo de ser peculiar que venha a identificar os habitantes de uma determinada região. É desse modo que se pode falar, efetivamente, na existência de uma região, pois esta não se forma somente com a sua delimitação territorial. Ao contrário, e conforme já foi anteriormente exposto nesse trabalho, a atual configuração territorial do Nordeste é algo que pode ser considerado, até certo ponto, recente.

Nordeste: as nuances da formação da identidade de um povo - Parte 1


           O presente artigo apresenta as diferentes maneiras pelas quais foi concebida a ideia de Nordeste. Essa noção de identidade foi se modificando através de diversas correntes e processos que ocorreram ao longo dos anos e que foram moldando o pensamento dos nordestinos e dos que não são nordestinos a respeito da região. Partindo das raízes da noção de região Nordeste, presentes em episódios como a luta contra os holandeses, passando correntes literárias anteriores a 1937 até a corrente histórico-estrutural e desembocando na influência da mídia, tentaremos analisar como esses fatores contribuíram e ainda contribuem para a formação da identidade da região Nordeste dentro e fora dela. 
A identidade que está contida na formação de um povo passa pelo conhecimento que este possui a respeito do espaço em que vive. Uma determinada região não se forma através da simples fixação de um grupo de pessoas em um local em um dado momento histórico. Ela passa pela noção de pertencimento a esta localidade, o que é algo intrínseco a cada um dos componentes desse grupo.
Após essas breves palavras tecidas que nos introduzem na questão da identidade que está presente nos habitantes das esferas locais, adentremos nas noções sobre o regionalismo. Buscando o significado dessa palavra, podemos constatar a sua característica polissêmica, ou seja, ela possui vários sentidos. Para o dicionário Michaelis – UOL, regionalismo pode ser entendido como: s. m. 1. Expressão social e política no sentido de defesa dos interesses de uma região. 2. Termo, locução ou costumes próprios de uma região ou regiões. 3. Gram. Traço linguístico próprio de cada uma das regiões em que se fala determinada língua. 4. Corrente literária formada pelos escritores regionalistas.
Ao analisarmos a formação do Nordeste, podemos constatar que é possível inserir alguns desses conceitos no contexto do regionalismo inerente a essa região. O contexto político acaba por imbricar-se com o social, com o linguístico, com o literário, entre outros. Lembremos, pois, que a história não é compartimentada, a não ser para a obtenção de finalidades didáticas, havendo uma interação dos diversos campos analisados em uma determinada realidade.